Ao pensador as baratas?

E era uma vez um cara chamado Diógenes. Diógenes de Sínope. Um filósofo, um considerado grande maluco por algunxs, e também considerado grande sábio por um grande imperador. De Sínope pois de época era atrelar o nome da cidade de proveniência ao próprio nome. O ano era 413 a.C. e, lá por tal cidade, hoje na hodierna Turquia, nascia nosso amigo Diógenes. Dizem, e por aí li, que ninguém menos que aquele conhecido como magno declarou ´´Se eu não fosse Alexandre, queria eu ser Diógenes!´´. Contam que, certa vez, ouvindo falar da sabedoria e sapiência daquele conhecido como Diógenes, Alexandre o abordou pelas ruas de Atenas e lhe disse que pedisse o que fosse que quisesse - e Diógenes teria dito que simplesmente o grande imperador saísse da frente dos raios solares nos quais o filósofo banhava-se naquele momento. ´´Pois então devolva-me meu Sol´´, disse o humilde filósofo ao curioso imperador. E quem era esse tal filósofo humilde contado como admirado por aquele imperador longínquo? Era Diógenes ele um mendigo, um exilado de Sínope, um crítico da erudição e da sociedade, um inicialmente recusado como pupilo de um mestre fundador de uma conhecida corrente filosófica; um sujeito que observava os ratos; que como o latino-americano Chaves habitava um barril; desprezava convenções e hedonistas prazeres da carne; e, em suma, era ele um anti-materialista em busca do auto-conhecimento, desprovido da pátria e de família, a perambular pelas ruas de Atenas, conhecido como ´´Diógenes, o cão´´. Diógenes de Sínope queria a vida que tinha, pelo que sei, pois era tal estilo de existência a prática de sua filosofia radical. Já ouvi falar de pessoas como o filósofo, e eu mesma já idealizei viver experiência semelhante, experiência do pleito de se ser livre, de um modo, da sociedade - e, evidentemente, admito que seja assim tão de facilidade esbravejar a respeito de práxis como essas quando sempre se teve um teto de alvenaria construído-lhe sobre o encéfalo, algunxs familiares cuidadosxs, alimento não de restos sobre a távola, e mais de uma única túnica a trajar. Admiro Diógenes, rechaço em aspectos o materialismo superficialista e determinadas convenções, e interesso-me de fato por sua trajetória; porém, de modo algum, creio conveniente tornar tal figura um símbolo da aceitação passiva da desigualdade socieconômica. Deveras, que certamente diversxs indigentes, pessoas em estado miserável, e filósofxs (por que não?!) por aí não compartilham por próprio arbítrio da condição do referido pensador, o conhecido por viver como cão de ruas, e por beber de poças d´água tal como cão. Ah sim, também de ratos eu falei, não? E, n´alguma vez, conta-se que lá estaria o Diógenes vindo de Sínope, por essas alturas observando as lendárias ratazanas que corriam de lado a outro sempre sem direção e sem parada... Comecemos nossa crônica.
Há algumas e de fato poucas terrestres rotações, crê esta redatora, conversei eu um dessxs filósofos das calçadas. Uma Atenas brasileira, e pós uma dominação quase alexandrina. Tudo é História. Tudo é filosofia. Tudo é notícia. Tudo pode ser Literatura. E inclusive que Marc Bloch, o inspirador e fuzilado medievalista, já nos havia afirmado o historiador como o ogro da lenda, e esse ogro, se sente cheiro humano, sabe que ali está sua ´´caça´´... E não foi Jacques Le Goff, admirador de tal membro da Resistência Francesa, e Goff herdeiro de Annales, a dizer que o historiador não deva ser um sedentário burocrata, todavia e todavia um andarilho, andarilho, fiel ao dever da aventura?!...
Era a décima sétima rotação de um planeta pra lá de sua segunda milésima translação d. C. Dezessete de fevereiro de 2018, do pleno século XXI. Tempo em que, mesmo que não por arbítrio próprio, ainda há seres humanos sobrevivendo como o filósofo de Sínope - e tenho gostado de pensar que também não menos sábio fosse o referido com quem conversei. Era O.G. de Bauru-SP, conhecido pela porta de nossa UFTM pelo apelido aumentativo de ´´índio´´. E o sujeito, na realidade de família proveniente da Índia (equívoco não dxs estudantes, mas dos navegantes que, outrora, desembarcaram em terras americanas e alegavam chegar às Índias), também nos contara sobre sua vida e dela deságues, naquele dia - e aqui lhe dedico algumas palavras dignas de nota, considerando verídico tudo o que ouvi de O.G. Sempre o cumprimentava, ali jogado pelas portas não a aberto céu, portas da universidade federal do Triângulo Mineiro- vendendo miçangas também, se me é confiável a memória. Entretanto foi somente nesse dia, esperando combinada carona rumo a um recital de engajada poesia, que tive uma melhor oportunidade de diálogo. Devemos nos interessar pela humanidade como um todo, e sua História. É provavelmente que a honra haja sido mais minha do que a do filósofo, ao menos antes de minhas aqui datilografias. Minha querida Jú mesmo havia me dito que deveria eu estudar Serviço Social, e eu sim até o faria; mas não creio, querida Jú, que determinadas coisas estejam necessariamente no quesito universidade - lembro do que dizia Diógenes, o cão, a respeito da erudição. Ah, sim, o filósofo de Bauru estava desprovido de camisa quando entrei na universidade, e já a havia trajado quando dela sai - encarei como também talvez convenção social.
Indião seria quase um Diógenes, se não lhe fosse o arbítrio universal pelas circunstâncias... Achei curiosas as coincidências. Disse-nos ele que não se proclamava um morador das ruas, pois aquela há de lhe ser passageira situação, afirmou - e óh, efemeridades das águas de Heráclito. O filósofo de Bauru, tal como o da antiga Sínope, também era um exilado. E também provavelmente pela figura do ´´pater familias´´. Provavelmente, digo, pois não se sabe precisamente se Diógenes, exilado de sua cidade por falsificação monetária, teria realmente cometido um crime induzido pelo pai, o qual cunhava moedas por profissão - o que li foi que o pai foi preso, e o filho foi expulso dos limites da cidade. E O.G. (cujo primeiro nome, inclusive, nos disse ele, começaria com ´´H´´, se estivéssemos de fato na Índia), semelhantemente, se exilara em decorrência do padrasto. O filósofo de Bauru contara-nos que o padrasto é um policial violento, de abusos de autoridade merecedores de justa corregedoria, e um carrasco em questão da violência contra a mulher. Minha amiga bailarina ali presente nos recitara um de seus poemas, pois então, subjetivo porém da causa da mulher tanto quanto um dos meus de pretensão para aquele nosso recital do dia dezessete. O filósofo contara-nos que sua genitora, ainda assim, não se divorciava do agressor, aceitava sofrer nas mãos de um homem opressor. Em suma, cabe relatar que, assim, o contemporâneo filósofo de vida canina optou por deixar sua cidade, deixar a oikos da ´´mater familias´´, e também a administração da loja da família - em nome de não engolir outras determinadas injustiças aos direitos humanos. E de fato, O.G. não nascera na extrema pobreza. Exilado o filósofo. Mas não em uma masmorra foi colocado o padrasto agressor - parece-me que, até mesmo mais que o cunhador de moedas antigo, tal padrasto é que merecesse as masmorras.
Mudou-se, pois lhe digo, e se é que não aparenta evidente, o filósofo para esta nossa Atenas chamada Uberaba, por aqui por este hodierno estado de Minas Gerais. Recorda-te que, mesmo nos tempos da democracia ateniense, esta não era válida para escravizadxs, estrangeirxs, mulheres... Pobre democracia ateniense. Um cosmopolita? De certa forma. Indião contara-nos que já estivera em, se bem não me olvido, cinco países de la América Latina, incluindo sua passagem pelas terras da Colômbia.
´´O senhor não sai da faculdade hein, moço!´´ - a primeira coisa por mim dita, e puerilmente brincada, ao filósofo a que me deparei naquele dia dezessete, um sábado. ´´Um dia eu estudo!´´ - brincou-me em recíproca. Um dia eu estudo, um dia eu me formo. A universidade, como a Atenas dita democrática da Antiguidade, também se diz pública, não? Coincidências notórias. Diógenes de Sínope, e por vezes diversas, possuía insistência em ser aceito como discípulo de um mestre filósofo, conforme já por estas pautas mencionei. O mestre era aquele conhecido como Antístenes, o fundador da escola filosófica Cinismo - e Diógenes, a posteriori, tornara-se símbolo de tal corrente da Filosofia, pois que li que ´´os cínicos eram homens simples, nômades, sem família e sem pátria´´. Penso também que a própria aceitação do ingresso na universidade também seja em termos cínica, afinal, em geral tal aprovação tende a determinado elitismo, não? Talvez, aí, inclusive outra analogia ao que dizia Diógenes, o cão, a respeito de hipocrisias sociais. Conhecemos algunxs Diógenes, não elitizadxs, e insistentes em aprovações nos vestibulares para as universidades ateniensemente ´´públicas´´, que bom, mas que injusto (até triste e retomo Diógenes, ´´Para que serve um filósofo, se não para machucar os sentimentos de alguém...?´´). Aliás, interessante que ´´Cinismo´´ vem da morfologia ´´kynos´´, que significa justamente ´´cão´´! Uma coluna com um cão em seu cume, inclusive, fora erguida em homenagem a Diógenes, falecido Diógenes em 323 a. C. - que cínico é o fato de que nos tornemos em geral mártires após nossa morte, não? Pois aqui me disponho a fazer distinção, pela escrita. E quanto à Educação, entretanto, disse Diógenes a Antístenes, enquanto este já com o afamado bastão estendido em intenção de expulsar de suas vistas o indesejado pupilo, ´´Podes golpear, pois não encontrarás um bastão tão duro que possa fazer-me desistir de obter que me digas algo, como a mim parece que devas´´. Algo, como a mim parece que devas... Curioso, inclusive, que Diógenes defendia o básico para se sobreviver - além dos restos alimentares, água lambida de poças e única túnica, achava também seu direito básico o mestre, a filosofia... Ó, universidade pública, o que fizeram com você...? - eu indago. Indião, apesar disso, se entendi, nos disse que tem dois diplomas, um após cinco anos pleiteando formar-se em Letras, e o outro de um curso de comunicação (acho que não universitário, de três translações, se não me engano eu). E, inclusive, a literata motorista de nossa carona daquele dia, carona essa também concedida ao filósofo, posteriormente nos disse sobre como sempre via Indião por aí sempre a ler. Lembro-me, ele estava a ler (material de leitura, dentre revistas e livros paradidáticos escolares, dados a ele provavelmente pelxs funcionárixs do ali próximo balcão da recepção, em saguão da universidade) - e disse ele de si alguém até mesmo de sorte, pois que na véspera havia novamente sido invitado para mais uma colação de grau a que compareceu, e pelo fato de nunca vira alguém em mesma situação que ele com tamanha quantidade de amizades. Não que estritamente por estar ele assumindo uma postura em termos intelectualizada que fosse por tal razão a amizade ali semeada. Academicismo, convenção, não tornam ninguém melhor que ninguém - repito, todxs têm História, têm notícia, têm filosofia, têm algum valioso conhecimento. Ele mencionara até mesmo Abraham Lincoln.

O.G., aquele conhecido como Indião. Presenteara a bailarina (ela a quem chamam de Baletina) com o paradidático ´´Romeu e Julieta´´, resumiu-nos a estória, as brigas entre as famílias Montechio e Capuleto. E contaram-me que, meses antes, a presenteara também com uma camiseta apolo, apolo como a espacial , guardada com ela e por ela até hoje - e eis que ela confirmou-me e retirara da bolsa a singela dobradura de camiseta de papel, ainda junto a ela com carinho levada. Presenteou-nos e assim nos disse que era uma boa pessoa, de coração bom. Ela perguntou-lhe se ele tinha algum sonho, e ele disse que sim, que um, mesmo que a ele um tanto quanto de impossibilidade: ´´Ver a Terra pelo lado de fora´´ - disse ele, a contar que pois tinha um conhecido cujo trabalho envolve o estudo aeroespacial, lá pela sua ´´pólis´´ de Bauru. Presenteou-me com um pueril gibi, perguntou-me se eu apreciava tal temática da Disney; e inconformou-se com riqueza tal qual concentrada nas mãos de poucos, como no caso de uma Disney. Foi dito-lhe, aí, sobre ´´quantos nãos tais poucos não teriam ouvido antes´´ e etc; não contestei, não promovi desânimo, mas devemos saber que o que se entende por meritocracia generalizada é um erro, um dar de ombros se dentro deste capitalista contexto. Embora já tenha sido alertada que o vício em drogas o levara à condição de Diógenes; e eu não lhe julgarei, ainda mais escutados e não subestimados seus motivos de injúria que a isso o teriam levado. O.G. nos mostrou uma grossa revista de artigos de luxo (posteriormente no veículo da literata conosco abandonado), apontou para um abastado sujeito em uma das páginas, inconformou-se ainda mais, ´´Olha que humilde, de bermuda e de chinelo, sentado no chão... Que humilde´´ - disse, em quase machadiana ironia - e contou brevemente o que havia ali lido sobre o sujeito. O filósofo aí dispôs-se a beber do bico da garrafa coberta por um pano (inutilmente; cobertas garrafas já não enganam mais ninguém, afinal...) (e, suponho, se é a bebida alcoólica um hedonista prazer e alienante até mesmo do auto-conhecimento e da própria natureza, e não um aprofundamento subjetivo, e não com certeza afirmo, talvez mesmo que o indiano descendente não seja mesmo como Diógenes de Sínope). Entristeceu-se. Reclamou da injustiça da vida. Pediu que eu não ficasse triste por ele. Afirmou que não achava possível que tudo pelo que tem passado tenha ido em vão, sem algum motivo maior - e entristeci-me sim no pensamento frustrante de que talvez não seja de fato o destino algo existente, e de que tudo seja vão, sem significados inerentes, vão, vão, e que Weber estivesse correto quanto a ser o olhar contaminado de interpretações irreais. Alheixs nos lançavam olhares de estranheza, e moscas voavam à nossa volta, nós nas proximidades de um lixeira cujo afastamento eu promovi, moscas talvez como a da náusea de Sartre tão já outrora mencionada por mim, e sugeri que O.G. melhor cobrisse seu pão de mal embrulho sobre chão - e, disse-me o filósofo assumido do signo de áries, sobre que o que realmente faz mal é a sujeira das pessoas, a sujeira da gente, a sujeira da mente. Também, no aparelho celular da bailarina moça, pediu-a que lhe mostrasse a filha dele (a, segundo o filósofo, criança de dezessete anos que, embora ´´de mais juízo que ele´´, casaria-se por agora e não escuta negativos conselhos de ninguém que seja), e mostrou-nos algumas fotos suas a trajes sociais, e fotos de família. Porém e incomodava-se o filósofo, inclusive, quando se conferia no telefone celular o horário de nossa atrasada carona (Lembrei-me de Quincas Borba, o filósofo feito de letras, ladrão do tempo de bolso de seu amigo de infância Brás Cubas... Quincas Borba o criador da filosofia humanitista, a qual diz que, não havendo quantidade de batatas em um campo suficientes para duas tribos, a mais forte venceria... ´´Ao vencedor aos batatas.´´: Cruel humanitas. Ah se Machado de Assis, e Cubas, de fato consolidassem o emplasto para as quaisquer enfermidades e dores da humanidade...). Enquanto que, a essas alturas, estaria Diógenes vagando pela cidade à diurna luz até mesmo, com uma espécie de ´´lampião´´ de época aceso, a alegar que procurava pelo homem, pelo ser humano... ´´Até o Sol penetra latrinas sem que nelas se contamine...´´, já disse Diógenes. Sendo um fim de semana, até em termos contento estava O.G. por poder resguardar-se até o primário semanal em seu referido albergue (por mais que haja nos dito que, dessa forma, o abrigo não permite saídas em tal período de dias). Insisti que nos acompanhasse a nosso recital, contudo seu pedido foi que o deixássemos nas redondezas de referida padaria (Ah, pães... E batatas.). Prometemos, em ocasião em que conseguíssemos, não havendo de ser o caso daquele dia de recital, contatar-lhe a filha para que com ela ele falasse; e o filósofo das moscas logo disse que, em outra ocasião, melhor responderia a minhas perguntas e melhor contaria essa história. Pois que, chegada a carona, nosso bom filósofo jogou na lixeira de nossas moscas o plástico copo de conteúdo suco de cajú, engoliu logo a amarga água antes coberta, e carregou consigo o segundo combustível confeccionado da fermentação fúngica - o pão (´´E qual o melhor momento para o jantar? Ao rico, quando quiser; ao pobre, quando puder...´´, disse Diógenes), o pão, com o qual nos disse que a real sujeira era a humana, não a das moscas.
Por: Carolina de São José dos Campos.
