As Mães e Mãos do machado

22/12/2016

   Nota literário-melancólica... Mais cedo, pela manhã, estive eu em contato com alguns trechos, dentre eles um de ´´Memórias Póstumas de Brás Cubas´´. Não, eu não os reli. Literalmente não, digo eu, não neste tempo. Hoje eu os ouvi, contados pela minha própria leitura, eu os li a mim mesma sem que lesse, apenas a ouvir... Não, crédulx leitorx (já tomo a ironia metalinguística brás-cubista do vendedor de cocadas, culto, negro e gago autodidata). Não estou a divagar (como Cubas naquele trecho com a morte e as dela gargalhadas...), não estou a descobrir a matemática da viagem no tempo - se nem mesmo nosso caro Alberto tirou-a da utopia? (E não que a descoberta em si, em estado de miçanga, já não haja sim sido desvendada! Afinal, desde a invenção da escrita, ao ser humano já lhe é permitido viajar ao passado, e invadir mentes, mentes dxs mortxs até mesmo! Talvez não dxs mortxs como o ordinário Cubas, mas invadimos mentes de antepassadxs humanxs, tais quais de meu caro Joaquim Maria, Joaquim Maria Machado de Assis, aquele que contou vivo a história de um morto que contava morto a própria história. Para Joaquim Maria, sim, verme, tu ainda vivias. Estava eu a escutar a voz de Cubas pela de Joaquim, que pela minha própria, simultaneamente! Tratava-se de uma gravação de áudio, ó obsoletx pós-temporânex, e gravação com na qual recitei Machado para transmitir pelo tempo a viagem da mensagem de minha própria interlocução! Dane-se a introdução, contudo a denoto para que não a especulem, ó vermes que me róem as carnes quentes. Registrado, pois, está que meus devaneios posteros deram-se provavelmente em condição de uma influência do renomado pessimita gago.

   Dos circunlóquios pensei em redigir um romance, porém, e não menos do que porém, chego a duvidar se um deles ainda hei eu de escrever, se me sobraria a paciência de umx prosista de mera ficção. Mas, aliás, se algo na leitura de ficções ensinara-me, foi que há as vezes em que a ficção nada mais pode vir a ser do que uma parte de uma realidade inconfessada nas entranhas dx escritorx. Se estivesse vossa esta redatora disposta a escrever tal romance, um capítulo ou dedicatória seria à figura de mãe. Mãe, sempre detive impressão de que tu poderias solucionar tudo por mim, em meu lugar; e de que eu talvez pudesse abrir mão de minha liberdade, a condenação nauseante de Sartre, e deixá-la ainda dona de uma minha menoridade de Kant. Sempre temos a subjetividade da impressão de que nossa mãe tudo pode, se ela isso o quiser, não? E também podemos nós deter impressão de que tal controle (e não sei se necessariamente foucaultiano) materno sobre suas filiais possa ser auxiliador, ou também depredador de nossas originalidade e criatividade. Pedras em estado de brutalidade necessitam de escultorx, todavia somente a té certo ponto; há um limite de perfeição da modelação; e, se escultorx insistir pela continuidade da modelação após o limite fronteiriço da obra, por visto acarretará destruição ou deformidade da pedra - e então mais valeria a original rocha em sua brutalidade? Pedras sem padrões desgastadas pelo interperismos, choveres, ventares, por pegadas, pela força de atrito, pela vida e pelo mundão. Mãe, se podias me ter salvado, também é bem verídico que também possas ter auxiliado em minha pétrea destruição? Pedras, pedras, como as pedras de João Cabral de Melo Neto; intertextualidades, intertextualidades, como a dxs modernistas, entretanto já típicas de um tempo desprovido de escola literária exata - e sobre a qual nosso pertencimento a elas apenas sabemos postumamente, a posteriori ao nascimento de estudiosxs vorazes por generalizações de longas épocas, e por descarte daquelxs cujas obras não encaixem em suas generalizações da História e da Literatura...?!

   Sim, éramos eu e Machado esta manhã, por minutos meros e nada mais. Uma molécula disse sim à outra e assim nascera a vida sim, Clarice. Eu disse sim a Machado, ele a mim, e aqui estamos. E sabendo que jamais serei eu sua verdadeira dona Carolina, ainda não me esvaí para que algunx poeta em saudosismo escreva-me poema algum.

   Não digo de meu devaneio um prelúdio, mas uma pré-racionalização provavelmente, senhorxs. Uma pré-teoria, uma coisa vã. Brás disse à morte que era ela absurda e uma fábula, e que o dela olhar o fascinava. Assim, também posso eu, como em pleno direito autoral constitucional à loucura de Alice, aderir a minhas fábulas e chapéus de felinos quânticos... Na veracidade, escrever sobre meu pânico o reduz: é preciso a calma para escrever, e mesmo até a respeito do pânico. Escrevo para que não me esqueça de quem sou. Escrevo para buscar no passado o que não encontrei. Escrevo pelo puro charme da posição cabisbaixa de escriba. Escrevo para desviar os olhos meus, e também de humanos olhos que encaram. Escrevo para não estar a conversar com pessoas que conversam apenas para não obterem chamamento de excluídas sociológicas, ou de tristes. A escrita minha, a escrita minha justifica à sociedade que há grandes razões para que eu opte pelo silêncio, isto é, o vocal. A leitura de forma alguma é o silêncio e, pelo contrário, é a direta transmissão de uma mensagem de uma mente à outra, sem necessidade de quaisquer palavras em pronúncia! Se tu lês livros, amigx, certamente também lês mentes, e escuta até mesmo os mortxs. Escrevo também pela elegância de agilizares em pulso à condução de quaisquer as canetas firmemente manejadas. Escrevo para borrar papel, escrevo para o histórico registro de que, sem sombras de dúvidas, eu também sei pensar. Escrevo pelo porquê de que pelo baixo da cabeça escorrem-me negros fios pelo abatido rosto cecílio-meirelleano e, de modo tal, tende-se ao disfarce de sorrisos os quais eles não devem saber da existência por meu querer. Escrevo, e a posição de escritorx diferencia-me. Drummont já compôs sobre todo um galinheiro em pânico, e flores nascendo em plenas ruas asfaltadas, mas não é por isso o por isso de eu aqui estar. Devo-me em brevidade a renúncia de gracejos da escrita, a renúncia da máquina do mundo. Enigma.

   Não devo ter deixado claro, como o enigma de Carlos (locução cujo adjetivo define-se por carlíngio, ou... por carolíngio), mãe, mas caso eu de antemão a ti vire pó e ossos e nada... Ora. Um momento decisivo é o agora. Meu caro amigo L.D. já havia anunciado sua concordância com o aforismo ´´Que tolice se decidir a própria vida na juventude, quando se é idiota.´´. Eu discordo até certo ponto. Na penúltima vez em que vi tal amigo, abraçamo-nos, cessamos alfinetadas, imaginamos muitos os futuros de todxs nós ali - naquela uma época de singularidades, em que o futuro ainda era uma grande orelha furada, interrogativa - como os imensos alargadores das orelhas de L.! E o cito, mesmo que brevemente, devido a um caminho cuja coragem creio que eu hesitei, e outrxs de nós como ele provavelmente não. Foram aliceanxs o bastante.

   Levo desta fase alguns arrependimentos, os quais não dedicarei aqui a fadiga da descritiva, farei-a em poética talvez, não em prosa - e, evidente é, a isso se inventaram os cadernos de humanas memórias periódicas à rotação da Terra. ´´Cada escolha é uma renúncia´´, ou diversas, citara prof. M.B., o simpático e inspirador homossexual humanista da Gramática sobre o qual mais uma vez eu cito. Talvez fosse da juventude de fato uma obrigação a de seguir o sonho, buscar causas e utopias, encontrar o amor capuletano, e a etcétera a prosseguir. ´´Ah, se a juventude soubesse, se a velhice pudesse.´´, dizia a frase. Devaneio pensativo, talvez assim eu o termine, sem sonho e em pânico? E talvez, talvez que me vá para alguma caverna de Platão ou rochedo, longe da humanidade indiferente, e escolha por lá definhar. Talvez que carregue algum pergaminho e tinteiro à pena (pois que a escrita quase sempre vale a... pena.), talvez componha sobre pivôs da amargura. Talvez que a posteriori eu seja encontrada junto a meus escritos por umx contempoespecianx a proferir a pergunta do crânio de Shakespeare. Talvez se afame a poetisa dioginesíaca, e talvez que transmita alguma lição esopiana ou profundidade de icebergs norte-atlânticos. Eu pensaria na juventude. Tuas lágrimas cazuzam. Talvez que desejasse retornar ao passado (aquele conhecido como Á... Agora.), lá por onde fizesse tudo diferentemente (heraclitamente desaguando em outras distintas pautas de arrependimentos... Arre, pende a mente.), ou mesmo não. E se o preconceituoso e prepotente Cubas, aquele de mesmo nome do bairro paulistano, soubesse que a coxa vênus-borboleta mais bem lhe faria que aquela de mesmo nome que o poeta romano clássico? E se o casmurro soubesse que de fato não eram dissimulados aqueles olhos oblíquos de cigana...? Ah, se soubesse o que fazer... Se a juventude soubesse, se a velhice também. Viajar no tempo, Alberto, como ciganxs temporais, seria uma salvação quanto às fumegantes cartas de baralho do Natimorto?


   Por: Carolina Lino.

     

   

                  

      

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