O Olhar Irlandês

15/11/2017

   ´´Irish´´ significa ´´irlandês´´ e Irish lhe era seu apelido - apelido sobre Irlanda, como a Irlanda da trágica Isolda do medievo, Idade chamada de das Trevas. Hoje completa um ano e eu ainda estou perplexa. Eu realmente espero que não nos esqueçamos dele. Isso tudo... E o choque de perceber que, sim, é algo que ocorre mais proximamente de nós do que costumamos imaginar. Eu realmente espero que se lembrem que o Guilherme era um de nós, universitário, jovem, e um cheio de sonhos. Cursava Matemática na UFG. Tinha pouco mais que minha própria idade, ele tinha vinte anos. Engajado, como todxs nós deveríamos estar, ainda mais nestes tempos políticos inegavelmente sombrios em que nos encontramos nós. Eu realmente espero que se lembrem (dele, e ele que fora simpatizante comunista, porém assumidamente anarquista) que ele manifestava pacificamente. E daí espero que se lembrem que o direito à manifestação é democracia defendida pela própria Revolução Francesa de 1789, e que o direito à expressão é inscrição prevista pelos Direitos Humanos de 1948. Guilherme Irish era anarquista e acreditava na liberdade, e seu assassino era alguém o qual pleiteou reprimir uma liberdade que considerava perigosa (ironicamente, considerava perigosa a ideia de liberdade, porém não a de assassinato...?!) - embora eu não considere que necessariamente sua posição política (por muitxs mal e ignorantemente interpretada, com intolerância e carregada de preconceitos) interfira tanto na interpretação do caso, ou mesmo na justificativa da causa pela qual ele foi morto. Eu realmente espero que se lembrem, inclusive, de que tal assassino brutal era o próprio pai de Guilherme. Espero que se lembrem que provavelmente esse pai se encaixaria no conceito de "filho saudável do patriarcado". Patriarcado esse que, construído de tal forma, se auto-declara dono dos corpos e mentes dos filhos e filhas de cada núcleo familiar. E espero, aí, que se lembrem que família significa uma "miniatura" do panorama de sociedade e convívio - e, não, não se tratou de um conflito particular, porém representante de toda uma sociedade: sim, todxs nós (e a maneira como fomos criadxs) o assassinamos também um pouquinho, assim como também morremos um pouquinho com ele, há um ano. Esse barulho é a humanidade, se destruindo, aos pouquinhos, coisa que não conseguiu fazer em grande escala com as guerras, holocaustos, Inquisição... Pois então, espero que se lembrem de para que servem as armas, quando vos forem abrir a boca para defender a legalização de sua popularização. Aliás, eu espero que se lembrem que somos descendentes de uma ditadura militar de mais de duas décadas de duração, e de uma dita democracia reconstituída há pouco mais de trinta anos! E então espero que se lembrem de como e do porquê tal regime ditatorial tenha amordaçado a Educação, perseguido professorxs, perseguido opositorxs, abolido a Filosofia. Espero que todxs se lembrem que não se tratou de mera briga familiar, tratou-se sim de toda uma mentalidade ditatorial de repressão à liberdade de pensamento do ser humanx. Espero que... E, há de se lembrar, que mesmo maior de idade, Guilherme foi proibido pelo pai de sair rumo à ocupação de uma escola, e de lutar pelo que acreditava, pelo que considerava um mundo/país melhor, mais justo, talvez - e ele foi suficientemente corajoso para ir, e sofrer a consequência que sofreu. Espero que se lembrem que a ideia de universidade é justamente a de um espaço de pluralidade de conhecimentos e visões - e, pra mim, a UFG é uma UFTM, uma UNESP, uma USP, ou uma outra qualquer - éramos nós também lá, há um ano. Em pleno 15 de novembro (e dessa metáfora eu realmente não abdico), e que aí nós nos lembremos do que realmente deveria significar uma república. Espero que se lembrem que sua mãe era uma delegada - e se é que essa posição importa tanto para que qualquer umx faça a defesa dos direitos humanos e da justiça. Espero que se lembrem que somos constituídxs de Educação, transbordamos a educação que temos - e era em nome da causa da Educação que, há um ano, Irish se mobilizava. Espero que nos lembremos que a causa dele era a de uma Educação mais livre, e contra a PEC. E daí espero que se lembrem que ele estudava para ser um futuro possível professor, assim como muitxs de nós. Repito: éramos nós. Era, e é, uma causa nossa: o movimento social, o movimento estudantil, os direitos humanos, a expressão democrática.
   E, de fato, eu não vi com os meus olhos o que aconteceu em Goiânia há um ano. De fato, o que sei foi o que li, que li por aí pelos jornais - considerando a repercussão que teve o caso. E repercussão que também lamento terrivelmente que talvez tenha se dado, numa sociedade machista e racista, pelo fato de ele haver sido homem e branco e instruído (e, acho que heterossexual, até onde eu sei) - embora eu não estigmatize Irish meramente por isso - mesmo podendo, e sendo, rotineiramente, muitos outrxs de nós em similares opressões. E, também de fato, não, eu realmente não fui assim tão próxima ao Guilherme Irish. Porém foi chocante minha, nossa, receptividade da notícia de sua tragédia, da identificação com o acontecido - e talvez principalmente da interrupção de uma existência tão tão jovem, tão semelhante, e muito prometida de um futuro de sobre cuja curiosidade não obterá uma resposta. E, não tendo sido eu realmente muito próxima, não faço de fato ideia de diversas especificidades do pensamento de Guilherme Irish - Guilherme Irish que existia há um ano, assim como nós (também efemeramente, é verdade), e Guilherme Irish que simplesmente não existe mais. E o choque de que isso não volta. E o escândalo de como somos frágeis corpos humanos, biodegradáveis. E, assim que eu soube, lhe prometi a eternidade de um poema - embora provavelmente isso não seja o bastante. Afinal, ele ainda era tão moço - ele com aquela camiseta preta dele que carregava a inscrição "Paz no mundo" (E que vistamos essa camisa. A da causa de Irish naquele dia 15... Vistamos essa camiseta preta... De luto, e também de esperança por paz.). Ele que era fã de Raul Seixas, mas que não sei se já escutou outrora Legião cantar a música "Love in the afternoon - os bons morrem jovens". Afinal, é grande demais a proporção do que foi tomado no último quinze de novembro - toda uma vida, todas suas possibilidades, todo um tempo pela frente, tudo o que ainda poderia fazer de bom no mundo, toda a Educação investida por vinte anos na formação de um ser humano, tudo de grandioso em que poderiam resultar as suas aulas à juventude. Todavia, Guilherme Irish - lembro-me -, há uns três anos, elogiou os meus olhos - e eu que não fazia ideia de que os dele logo, muito em breve mesmo, (e a vida é um sopro)... Se fechariam para sempre.
   ... Resistência. Inspiração. Fora, Temer! Irish presente! -.-


  Por: Carolina Lino.



Guilherme Silva Neto (Guilherme Irish) criança.
Guilherme Silva Neto (Guilherme Irish) criança.
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