Um Minuto Re(in)trospectivo
Retrospectivas globais anuais são, para mim, algo sobre que costumo aplicar-me a escrever - e tanto pela utilidade de sopro à memória, quanto do tempo mais ocioso dos finais de ano, de fato, além da reflexão mais geral sobre tempo e espaço. E, para mim, a mais emocionante parte da Retrospectiva televisiva de 2016 foi a da saudação aos mortxs deste ano. E, sim, sombrio, eu sei.
E sei bem também que este foi um ano de inúmeras reviravoltas políticas e sociais: impeachment de nossa primeira presidente mulher, ameaças terroristas às Olimpíadas no Rio, manifestações, ataques à França, guerra civil na Síria, crise dxs refugiadxs, confirmação da teoria das ondas gravitacionais de Einstein, forte atuação da Lava-Jato, revoluções dos direitos civis dxs LGBT, notícias de nojo e covardia sobre estupros coletivos, doenças semelhantes à dengue, foi o ano das ocupações estudantis contra a reforma no E. M., da ascensão daquele lunático fascista à presidência do mais poderoso país do mundo, etc e etc... Escândalos, polêmicas, instabilidade e um amplo sentimento de insegurança quanto ao futuro. Nossxs carxs colegas jornalistas reuniram seus arquivos para esse trabalho, e os e as historiadorxs certamente se encarregarão de que iremos ver 2016 por aí nas páginas dos livros de História, Geografia, Sociologia.
Mas eu chamo é para uma outra reflexão, para uma outra filosofia. O destino humano da profundidade dos sete palmos é sim indesviável - por hora (?!) - porém nem mesmo por isso deixemos de pensar a respeito dos fatos do mundo e de nossa época, pelo contrário: engajemo-nos, busquemos outra sutil profundidade. O que poderia vir a ser ainda mais profundo que um coração humano que ainda bate?! Busquemos sim um significado, somos máquinas de busca de respostas. O que digo, sem mais delongas, é o seguinte. Sim, acontecimentos terríveis marcam nossa contemporaneidade, contudo eles podem ser modificados, a realidade pode ser modificada; já morte, não. A morte é o fechamento por completo das possibilidades, o fim da linha.
Talvez ou não influenciada por meu mais recente autor preferido (sir Jean-Paul Sartre, um dos grandes existencialistas do século XX) e seu livro "A Náusea", há mais de um mês pesquiso e desejo escrever sobre isso. A náusea de Sartre, fascinante e cativante ao mesclar psicologia com uma sociologia, assim vejo, trata exatamente sobre o que quero dizer, amigxs. Eu diria que se trata quase de um "Sentimento do Mundo" de Drummont, mas escrito em prosa, confidencialmente em formato de diário do personagem do solitário historiador, um viajante biógrafo de um marquês do século XVIII. Há, claro, o famoso trecho da obra em que tal historiador, frente a seu amigo Autodidata de biblioteca, esmaga uma mosca - alegando estar lhe fazendo o favor de libertá-la de sua existência. E não, não acho que seja bem assim. Não somos moscas.
Nesse último 4 de dezembro, morria o poeta Ferreira Gullar. Para alguns e algumas críticxs literárixs, Gullar era o maior poeta brasileiro ainda vivo... E agora que triste... O poeta está morto. Foi um dos fundadores do neoconcretismo, integrou o o movimento concretista, pós-modernista, foi crítico de arte, jornalista, ensaísta. Integrava a União Nacional dos Estudantes no ano do golpe militar, quando foi preso e mandado para o exílio em Paris e Buenos Aires. Ocupou a cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras. Foi pai de dois meninos esquizofrênicos. Velado em plena Biblioteca Nacional! Certamente uma pessoa deveras interessante, mas não lamento mais que o necessário; viveu bastante, e deixou muito à humanidade.
Também em 2016, despediu-se de Fidel Castro... Aquele que derrubou a ditadura de Fulgêncio Batista, e criou para a ilha de Cuba uma identidade muito singular em plena América Latina da Guerra Fria! O revolucionário, o comunista. O por algunxs amado e por outrxs odiado.
E também temos de nos lembrar do que houve com o Chapecoense neste ano... A tão e tão noticiada queda do avião que levava o time em ascensão, e a aniquilação do sonho daqueles jovens quando a aeronave caiu nas montanhas da Colômbia. Em pleno século XXI, a tecnologia de um Titanic nos decepcionou novamente, acompanhada novamente de negligência humana. Sangue de atletas e de jornalistas. Eu particularmente, leiga nessa área, jamais antes havia ouvido falar do Chape, mas já é possível compreender o porquê de isso ter abalado tanto a população - como nos explicou nosso amigo Márcio Vinícius, o qual pretende estudar Relações Internacionais na universidade. Um sonho de muitos despencou dos ares.
Sem contar os suicídios dos quais tanto ouvimos falar, neste ano de estudos, de outrxs de nós não suportando a pressão. Alessandra Almeida e eu muito confabulamos sobre o que levaria uma pessoa a tal ponto. Prof. Matheus Breviglieri comentou muito rapidamente em sala, e prof. Clayton nos disse que tal situação já está se tornando rotina nos finais de anos... Casos abafados, que seja. E, cada um deles, era umx de nós. É espantoso.
Não gostaria de partir rumo ao novo ano com tantos pesares. Não é de minha pretensão deixar o pessimismo a pairar. Deixo a pairar é a intensidade, a reflexão, a dramaticidade de uma história a ser contada. A esperança, apesar de tudo, de tempos melhores, mas completamente conscientes do que não foi apenas flores.
Flores aos mortos. E, como Vandré, para não dizer que delas eu não falei... Sabe, há uma máxima existencialista que infere: a existência precede a essência. Ou seja, apenas existir é simples, é primitivo. O que se constrói a partir de então é o relevante, é a essência. Essas tantas pessoas citadas deixaram, não a existência banal, mas uma essência imortal, que transcende, creio. Já é um consolo, e que consolo!
Tantos citadxs, até que por fim, tenho a necessidade de mencionar uma história que tanto me marcou, contada por nosso professor de Filosofia, o prof. Rafael. Dizia ele que tinham um muito querido colega o qual sempre indagava aos e às pupilxs dele: "Sabe qual é o segredo da vida? Eu te conto em um minuto."... e continuava lecionando e lecionando... "Sabe qual o segredo da vida? Eu conto em um minuto."... e nunca revelou a resposta... E adivinhe? Não há mais como perguntar ao indagador que sequer a conhecer eu cheguei, pois ele também já se foi. E a lacuna ficou sendo um eterno parênteses em aberto, eu acho.
Não sei ao certo. Mas o que sei eu lhe conto... Em um minuto.
Por: Carolina Lino.